terça-feira, 13 de setembro de 2016
O beijo
Sempre, no início da noite, eu vou até a janela do quarto para fechá-la e baixar a cortina. Do lado de fora há um corredor estreito, com móveis velhos encostados, um pé de café gigante, uma horta anêmica, trepadeiras, etc. Quando chove, o cheiro daquela nesga de espaço, que tem uma boa quantidade de terra entre a parede da casa e o paredão do vizinho, faz lembrar um espaço tão grande que seria possível ver a Serra do Mar a quilômetros de distância. De dia, o lugar era bonito, mas estranho. À noite, quando ia puxar as duas lâminas da veneziana, o horror se instalava. Havia uma grade protetora entre o vidro e folhas de madeira. Era preciso enfiar o braço, esticá-lo e, sem ver, só no tato, libertá-las das garras dos homenzinhos de ferro que usam chapéu. Nessa hora, invariavelmente, imaginava algum bicho atacando mão, braço, tudo que podia. Que bichos? Os piores. Talvez algum outro monstro sem identificação. Não importa, era sempre assim. Como não acontecia nada, era um alívio terminar a operação . Mas outro dia aconteceu. Pegaram meu braço, puxaram, e minha mão foi envolvida por algo estranho. Não havia garras, dentes ou qualquer outra coisa dilacerando pele, carne, ossos. Quis gritar, mas não deu. Estava paralisado. Foi aí que senti os lábios beijando minha mão. Olhei e não vi nada, mas sentia tudo. Então, apareceu. Era apenas uma boca flutuando no espaço- e eu a conhecia. Scarlett Johansson então disse bye e nunca mais surgiu no tempo enorme que, depois disso, passei a deixar meu braço esticado dentro do escuro daquele corredor.
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