De Paulo Leminski
que pode ser aquilo
lonjura, no azul, tranquila?
se nuvem, por que perdura?
montanha,
como vacila?
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
terça-feira, 24 de setembro de 2013
cinco bares, dez conhaques
De Paulo Leminski
cinco bares, dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro do taxi
cinco bares, dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro do taxi
Tosse
Ouviu alguém tossir e acordou. Morava numa cabana no meio do nada. Sozinho. Tinha decidido assim. Assim estava decidido. Foi há anos. Conseguia sobreviver com o mínimo. O máximo eram os livros empilhados na estante. Lia, relia. Aprendia cada vez mais. Para que, não sabia. Importava o prazer de adentrar aos mundos abertos pelos escritores da preferência. Por ali não passava ninguém. O lugar ficava na margem de um pântano. Mas ele sabia os caminhos dos paraísos locais. Não contava para ninguém. A tosse. Levantou. Saiu com a lamparina na mão. Seguiu o som. Viu o vulto vestido de branco. Parecia uma mulher. Era. Chegou perto. Perguntou se estava tudo bem. Ela disse que sim. Ele quis saber o que estava fazendo tão longe de tudo. Ela mostrou um cigarro aceso. Tinha saído de uma festa. Nervosa por ter brigado com o marido. Se perdeu. Saiu de carro, pegou estrada, parou longe no breu da noite e andou até cansar. Chegou ali. Ficou a pensar. E a fumar. Então, deu mais uma tragada e disse que voltaria para o lugar de onde saíra. Estava mais calma. Enquanto falava, não tossiu. Só fez isso quando ele se virou e voltou para a cama e seus pensamentos.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Canalhas
Todo canalha é magro. Discordo. No Brasil quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte. Concordo. Nelson Rodrigues atirava bem. Reacionário, com muito orgulho. Brasileiro a despir o espírito vira-latas do brasileiro. Adorava a palavra canalha, por ser mais forte que o barulho do tapa dado na cara no meio do povo. Conheci um canalha sem conhecer. Deduzi. Pelas informações. Agora é canalha no mau sentido - e não quero nem saber. Canalha no bom sentido há vários. Um, por exemplo, colocou uma placa enorme no escritório em que trabalhava. Acima da cabeça dele estava escrito: "Todo homem é canalha". Esse era um bom canalha, pois já avisava sobre o defeito de caráter generalizado do ser masculino. As mulheres gostam deste tipo de canalha. Outras gostam do outro tipo, os maus canalhas, os que exploram a ingenuidade, os enganadores de plantão. O canalha que não conheci é assim. Por ser amado e não amar, não corta, estica a novela para ter o domínio da presa. Que canalhice!! Um dia, contudo, encontrará a canalha que fará a mesma coisa com ele. Isso se, em vez da canalha, não lhe aparecer uma navalha - só para rimar e lembrar Plinio Marcos.
domingo, 22 de setembro de 2013
sábado, 21 de setembro de 2013
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
epitáfio para a alma
De Paulo Leminski
aqui jazz um artista
mestre em desastres
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao enfarte
eu tenha pena
dos seus disfarces
aqui jazz um artista
mestre em desastres
viver
com a intensidade da arte
levou-o ao enfarte
eu tenha pena
dos seus disfarces
Careca na neve
O trauma provavelmente era hereditário. Desde que prestou serviço militar, as entradas na cabeça começaram a aparecer. Ele morria de medo de ficar careca. Talvez por ter sido um dos maiores gozadores dos "pouca-telha" durante a infância e adolescência. Talvez por ter visto seu pai sofrer com a calvície e tê-lo visto pintar a cocuruto de preto porque não tinha dinheiro para comprar uma peruca. Então fez de tudo para, pelo menos, parar a progressão daqueles caminhos. Todos os remédios e unguentos foram passados. Até xixi de porco e merda de galinha passou - tentativas que faziam sua mulher ficar cada vez mais nervosa. Ela achava que o marido deveria, sim, é ir para ao divã de um psicólogo ou psiquiatra. Ficaria mais barato fazer a cabeça de uma outra forma, dizia ela. Nada. Peruca, implante, ele jamais usaria. Não gostava de ver outras pessoas que adotavam essas medidas paliativas. Ficou careca. Sobrou o rodapé. Ele usava um boné que não tirava nem para tomar banho. No emprego novo pouca gente sabia do problema. Até que um dia um moça muito bonita e delicada, que ele admirava, fez a pergunta fatal: "Nevou lá no seu bairro?" Ele não entendeu até que se olhou no espelho e viu a quantidade de caspa que tomava conta dos ombros de seu paletó.
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
voláteis
De Paulo Leminski
Anos andando no mato,
nunca vi um passarinho morto,
como vi um passarinho nato.
Onde acabam esses voos?
Dissolvem-se no ar, na brisa, no ato?
São solúveis em água ou em vinho?
Quem sabe, uma doença dos olhos
Ou serão eternos os passarinhos?
Anos andando no mato,
nunca vi um passarinho morto,
como vi um passarinho nato.
Onde acabam esses voos?
Dissolvem-se no ar, na brisa, no ato?
São solúveis em água ou em vinho?
Quem sabe, uma doença dos olhos
Ou serão eternos os passarinhos?
Eu só quero chocolate
Ele tinha visto o filme do Woody Allen e sabia que não poderia tentar fazer uma arma da barra de sabão. Não era um Assaltante bem Trapalhão. Mas pensou em algo parecido quando recebeu aquela barra enorme de chocolate ao leite. Era um artista com a ponta da estilete. Fez uma Luger que só faltava cuspir balas toffee. Planejou a fuga nos mínimos detalhes. Combinou até que carro queria para esperá-lo do lado de fora da prisão. Deu tudo certo até pouco depois de ele render o último guarda. Estava respirando o ar da liberdade quando aconteceu o imprevisto. Não, não choveu como no filme do grande comediante. Nem estava calor de derreter tudo. Apareceu uma cadela. Pequena. Branca com manchas pretas. De longe já vinha farejando o ar. Estava acompanhada de um senhor de cabelos brancos. Ao chegar perto do fugitivo, nhac, só deixou o cabo da 9 mm na mão do bandido. Os guardas chegaram. Ele estava sem saber o que fazer, parado, com aquele resto de chocolate na mão. A cadela queria mais. Ele deu. E voltou para a cela. O velhinho riu. Foi ele quem viciou o animal.
terça-feira, 17 de setembro de 2013
por um lindésimo de segundo
De Paulo Leminski
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio]
tudo pisando macio
tudo psiu
tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio]
tudo pisando macio
tudo psiu
tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas
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