quinta-feira, 30 de maio de 2013

Feriado

Quem sabe... talvez, feriado, a lua e o sol nascem no fundo do mar da alma de Guinga e Francis Hime e todas as palavras escritas, faladas, cantadas, esperam na ponta do longo trapiche, que é como uma seta a indicar o que interessa. Talvez segunda-feira. Talvez daqui a pouco. Talvez...

quarta-feira, 29 de maio de 2013

João Gilberto Undiú


No buraco

De Paulo Leminski para o jornal Rascunho

debruçado num buraco
vendo o vazio
                      ir e vir

Cafezinho com o Tinhoso

Ouviu a proposta e aquilo era como se Nossa Senhora de Fátima resolvesse aparecer de novo. Olhou para o café servido no balcão e quis mergulhar ali, no líquido quente, para sumir, fugir. Era a primeira vez. Não, não era aparição de santa. Era o Tinhoso saído de um desenho de catecismo infantil. Dinheiro. Dinheiro fácil. Era por ele existir, por exercer uma influência que ele sabia não haver, mas que talvez alguém pensasse assim, e estivesse disposto a lhe encher os bolsos para angariar simpatia. Corrupção. Lia e ouvia tanto a respeito, inclusive as piadas, mas nunca estivera ali, diante de alguém a lhe oferecer da forma mais direta. "Quer dinheiro?" Não, ele não queria porque, normal, assim, brasileiro, do batente, sempre trocou o que fazia por alguém que pagava. E pronto. Nada mais. "Você não gosta de dinheiro?", insistiu o outro lado. Não, só quando ele vem em troca do que produzo, mesmo sendo merda, respondeu. E assim acabou a conversa. Na calçada as pessoas passavam alheias a isso. Era uma tarde qualquer. O café desceu num gole. Agora estava na temperatura ideal. O Belzebu esfumaçou-se e deve ter espalhado que aquele idiota acreditava em honestidade. Nunca mais tentaram. Ele acha que vai para o inferno por outras causas.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Dentro do pão

De Paulo Leminski para o jornal Rascunho:

quero a vitória
          do time de várzea

valente

covarde

          a derrota
          do campeão

5 x 0
           em seu próprio chão

                                  circo
                                  dentro
                                  do pão

Visita

A casa de pau-a-pique estava lá, na beira de um buraco que antes tinha sido um açude onde o tempo fez as traíras aumentarem de tamanho. Tudo seco e esturricado. Mas casa ficou lá, firme, com suas veias à mostra, seu barro de um marrom claro e cheio de rachaduras ali, se sustentando até que alguém viesse futucar e para  aquele pedaço desmoronar e se transformar num pó para ser levado pelo vento, mas só quando ele chegasse. Os dois caminharam algum tempo para chegar ali. Vi de longe. Vi do alto. Ela, baixinha, vestido estampado, pernas cambotas, segurava um guarda-chuva também estampado. Acho que gostava de flores e deveria cultivar um jardim. Ele, um bitelão, costas curvadas, óculos escuros de gente que parecia ser do Sul, por causa da calça, da camiseta com um desenho de banda de rock. Pararam na frente da porta principal do casebre abandonado. Ficaram ali um tempo e eu aqui de riba comecei a imaginar uma história sobre aquela presença no meio daquela imensidão onde o verde andava escasso. Ela deve ter sido criada ali e foi mostrar para o filho. Foi contar histórias do avô e da avó dele. De como ela brincava por aqueles campos e como era recomendada para não ir perto do açude sem companhia. Será que teve bonecas? Deve ter feito alguma de pano, porque, assim, de longe, parece que ela leva jeito de ser costureira. Arrodearam a casa e na certa ela contou que criavam galinhas e porcos naquele quintal imenso. Era uma vida boa. Não se sabe como é agora. Então retornaram e o caminho deles beirava uma linha de trem que não ficava muito distante. O trem não passava mais. Mas no tempo das traíras passavam muitos. Com gente dentro. E ele apitava. E o gado olhava. Depois continuava mastigando e a palma. Eles estão longe. Vejo só dois pontos se movimentando. E o guarda-chuva. O sol assiste a tudo. Desde aqueles outros tempos.

Maria Alcina e o Calor na Bacurinha e Chama o Tadeu



segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sementes

Choveu na horta da minha alma e nada estava plantado. Espero o sol com sementes na mente.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Palmas para ela

De Paulo Leminski para o jornal Rascunho:

a palmeira estremece
palmas para ela
que ela merece

Africadeus Naná Vasconcelos


Candiru

Candiru. Dá no igarapé. Entra pelo cu. Eu pensando na grandeza dos rios amazônicos e o que ficou da conversa com alguém que conhecia toda a floresta foi isso. Candiru. Cuidado! Peixinho pequeno, mas entra no corpo e faz estrago. Tinha mais! Poderia entrar pelo pau também. E rasgava tudo no caminho em busca das entranhas. O matuto que alugou o barquinho na zorra do porto popular de Manaus também falou nele. E acelerou o motor para a divisa das águas barrentas e negras. Depois descambou naquele mundo líquido para as quebradas do mundaréu. Saudade do Plínio Marcos. Mas ele não conheceu o Candiru. Igarapé. Nome sonoro, bonito, mata adentro, olha lá o macaco, olha lá o pássaro, cadê a jibóia? cadê a sucuri? Difícil. A cor barrenta lembrou o povo de pouco tempo antes. Em Cuiabá, aquela cor marrom, bem escura, contrastando, às vezes, com os dentes tão brancos de doer os olhos. Índios. Parecendo coisa de cinema. Será? Mas, em volta, sujeira total. Mas aqui, não. Na veia separada do rio. Um calor de derreter caldeira. Vai pular? E o Candiru? Reze antes. O mergulho. Parecia água abençoada. Um deus Tupã. Ao entrar nela o medo dissipou-se. Esqueci o Candiru. Saí, voltei a Manaus, cheguei em Alcântara, Maranhão, uma semana depois. Fiz um gol de placa na frente de uma igreja em ruínas, mas maravilhosa - golzinho de duas pedras, um toque de trivela, saí para o abraço e caí na metrópole do Sul. Faz tempo. Se o Candiru entrou, até agora ele só fez bem.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A torre

De Paulo Leminski para o jornal Rascunho:

tão
alta
a
torre

até
seu
tombo
virou
lenda

Logado

Logado estou, seja lá o que isso signifique. Um dia me falaram na blogosfera. Legal! No Facebook do Twitter acabei me perdendo. E isso diante de uma tela gigante onde a seta deslizava e saltavam pra cima de mim absorventes, comida para cachorro, o carro que sobe montanha e uma morenaça cujo biquini caberia no dedal da minha mãezinha, costureira que transformava qualquer figurino da Burda em realidade para as professoras do subúrbio. O que estou fazendo aqui se tenho de esfregar meu dedo numa tela de celular e a gordura do salaminho que tanto amo fica lá emplastrada? Vi duas gordinhas se chocando numa calçada porque estavam com um celular numa orelha e na outra um fone enterrado onde ouviam alguma coisa. As calças no pé da barriga fez as banhas saltarem ainda mais. Elas não desligaram. Levantaram da queda mútua e continuaram as respectivas conversas.  E ouvindo a música. Qual, meu Deus? Seria Fascinação, Carinhoso, Chega de Saudade? Joguei o meu aparelho de celular no bueiro. Ele tocou quando bateu lá no fundo. Enfiei a cara entre as grades e vi que a ligação era do banco. A conta estourada. Fiquei feliz. Deslogado. Deslocado. Tresloucado.

Baião de Lacan do Guinga e Lula Galvão

quarta-feira, 22 de maio de 2013