quinta-feira, 23 de abril de 2015
O retorno
Nasceu com dúvidas. Tanto que teve de ser tirado a fórceps porque não saía da barriga da mãe depois de 11 meses de gestação. O médico jurou que um dia ouviu o bebê dizer que não sabia se ficava ou ia para o mundo. As marcas do ferro ficaram na moleira. Isso aumentou sua timidez e o seu "não sei". Demorou 12 anos para decidir andar. Na verdade, tinha medo - e isso, muitos anos mais tarde, ele descobriu que era herança de uma parente que se encantou com os olhos de um holandês, mas na hora do "vamu vê", que não tem tradução para a língua dos invasores de Pernambuco, ela se assustou com o tamanho do que se lhe era apresentado. O fato é que o descendente desta conjunção carnal também tinha olhos claros, mas nada da audácia do invasor - e sim o pânico da invadida. Passou parte da vida assim - e isso agravou a indecisão. Perdeu a virgindade com 42 anos porque lhe deram um porre de jurubeba e o jogaram nas mãos de uma prostituta especializada em desvirginar adolescentes. Ele gostou, apesar de não lembrar de nada. Foi assim que se apaixonou por uma galega que um dia viu passar num ônibus lotado e a encontrou dias depois na banca da xepa do fim da feira. Marcaram casório rápido. Foi o erro. No dia do sim ele não disse nada. Saiu correndo do altar e foi até a casa da mãe, que estava muito doente. Deitou no colo dela. Enfiou o dedão na boca e pediu o paninho para cheirar. Deram. A mãe sorriu e morreu naquela hora. Tinha o filho de volta.
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