terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quem é que faz?

Acordou assustado com o sino da igreja. Estranhou. Sempre ouviu. Morava do outro lado da rua. A catedral às vezes lhe parecia um monstro a lhe chamar para a missa do sétimo dia. A sua. Mas isso só em algumas ocasiões. No mais, olhava o povo entrar ali e sair da mesma maneira. Alma ele tinha descartado há muito tempo. Mais uma badalada. Acendeu a luz do teto apertando a perinha pendurada num fio imundo. Sozinho naquele quarto. Há quantos anos? O colchão no chão fedia a azedo. Não havia mais nada ali, a não ser um amontoado de roupas sujas num canto. Ouviu alguns fogos. Eles acenderam um pouco sua memória. Meia-noite, Natal, nasceu Jesus - se é que ele existiu. Não acreditava em nada, a não ser no que estava demorando para vir. Queria sossego. Lembrou de uma música de Dolores Duran que, na voz de Nana Caymmi, pedia uma noite de paz. Ele não tinha nem noite, nem dia, nem nada. Sempre foi assim. Da janela olhou a torre de onde vinha o som. Sem perceber cantou um trecho de outra música. Noite feliz. Perguntou para escuridão: "Quem é que faz?". Não houve resposta. Voltou para a cama. Apagou a luz. Continuou no tormento.












Nenhum comentário:

Postar um comentário