quinta-feira, 5 de março de 2015
Batatas
Me jogaram na cela como um saco de lixo. Eu me sinto assim desde que comecei a olhar o mundo. Me jogaram aqui porque o dono do mercadinho gritou um tempo depois que enfiei o saquinho de batatas fritas entre os peitos caídos e sem sutiã. Sou uma velha com poucos dentes, poucos músculos, nenhuma beleza e muita pobreza. Fiz aquilo por fome e achei que o saquinho não ia dar prejuízo. Dei uma moedinha no caixa para pagar a caixa de fósforos. Aí as batatas fritas pesaram e o saquinho escorregou e caiu bem entre os pés sujos. Saí correndo. Levei um safanão antes de chegar à primeira esquina. Perdi um dos três dentes que ainda me restavam. Veio a polícia e me jogou neste cubículo com mais 15 homens. Fiquei no meu canto. Eles me olharam com pena. O chefão me ofereceu comida. Eu comi e senti uma alívio no estômago. Não me deixaram explicar a situação para o delegado. Meus netos estão sozinhos em casa e não sei o que aconteceu com eles. Há mais de um mês estou aqui nesta imundície maior que a minha. De vez em quando sonho com aquelas batatinhas crocantes. Acordo com o gosto na boca.
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