quarta-feira, 18 de março de 2015

No fim do corredor

Na minha cabine tem uma micro-tv. Preto e branco. Me trouxeram um dia lá do Paraguai. Deixo ela sempre ligada, mas sem som. Estou dentro de uma cabine que fica no fim do corredor da entrada do prédio comercial. Parte da minha vida se passa aqui. Me pagam para ficar durante toda a noite e madrugada. Depois da meia-noite não passa ninguém lá na rua. Minto. Às vezes um bêbado ou mendigo perdido. Tem uns que me olham. Eu olho para eles. Somos iguais, mas estou aqui protegido - fingindo que protejo. O corredor fica no escuro. A luz amarela espetada sobre a cabeça deve transformar minha aparência numa coisa de meter medo, mesmo porque de boniteza talvez eu tenha apenas a alma. Ganho dois salários mínimos. Não preciso mais. Saio daqui quando começam a chegar os funcionários da limpeza. Nunca durmo em serviço. Faço isso lá no meu barraco de um cômodo. Já me disseram que sou muito solitário. Não penso muito nisso. Nasci assim. Não conheço pai ou mãe. Acho que meu coração é de pedra. Mas eu choro quando vejo na tela minúscula uma criança perdida.

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