quinta-feira, 6 de agosto de 2015
Não
O não era a sua perdição. Tentou achar a nascente daquilo, pois bastava ser contrariado, em qualquer situação, por mais boba que fosse, e via o alçapão se abrir aos pés da sua alma. Mergulhava então na catacumba, purgatório, areia movediça com baratas gigantes. Uma vez viu seu coração ser arrancado a fórceps pela boca e comido por piranhas dentro de um aquário só porque, em casa de parentes, não lhe deram a mostarda marrom para colocar no cachorro quente. Ele pediu, ela estava ali perto, disseram para ele pegar - mas como se levantar dali se ele pediu porque morria de vergonha? Foi por isso que durante muito tempo o mistério do namoro era anabolizado pelo segredo do beijo - e ele apenas se apaixonava por meninas que lhe davam toda bola, mas... Como falar? E se elas dissessem não? Morreria, certamente, de queda de boca no meio-fio, dentes quebrados fazendo-o engasgar até o último suspiro. Tudo acontecia até o dia em que uma palavra se tornou mágica e matou o pesadelo para sempre. Ele ouviu um sim que fez sentido para sua alma atormentada. Foi uma coisa simples, mas aconteceu. Entrou na mercearia e deu vontade de comer pé-de-moleque. Perguntou ao senhor de barbas brancas, que estava atrás do balcão, se ali tinha . Viu os olhos brilharem e um sorriso apresentar um dente de ouro e vários careados. A resposta positiva foi como flash de luz. O doce comido numa longa caminhada de volta para casa fez o resto do serviço de aniquilamento da palavra da perdição.
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