terça-feira, 29 de setembro de 2015

Com a torneira

Ela conversava com a torneira enquanto lavava roupa no tanque lá no fundo da casa. Ouvir ele falando isso foi algo muito marcante, mesmo porque o dono da casa quase não conversava. Nunca fui lá atrás para verificar. Não queria atrapalhar. Mas sempre acreditei nisso, inclusive que as respostas da tal eram satisfatórias. Quando ela voltava para dentro de casa, o vestido invariavelmente estava molhado. Era estampado e eu imaginava as flores do jardim com o orvalho da manhã. Fiquei sonhador depois de velho, porque antes era o pesadelo que tomava conta de tudo. Aquela mulher não sorria muito. Hoje acho que era só da boca pra fora. Porque divertida ela era. Demais. Tirava sarro de qualquer coisa. Menos dele, a quem reverenciava como um rei. Talvez fosse assim que conseguia o domínio. Porque, se ele achava que era o manda-chuva, muitos anos depois, eu soube, da boca de um dos da equipe médica que trata minha cabeça, bem, soube que era ela quem dominava tudo. Provavelmente contava isso para a torneira do tanque - e esta respondia com a água fresca a abençoar aquelas mãos.

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