O calor infernal naquele muquifo na praia estranha me fez sair para dar uma volta. Os urubus tinham se alimentado bem das sobras de peixe jogadas pelos pescadores. Era fim de tarde. Eu não tinha me drogado. A última vez que tinha fumado um fazia trinta anos. Virei careta radical no dia em que vi um anjo fazendo sexo com o cramulhão. Início da noite. Numa janela, a luz de uma televisão e a voz de um ator paspalho gritando e atravessando o vidro. Todos gritam na tv, como se ela não tivesse um de um controle para aumentar o som. A rua era de terra e ficava paralela à areia da praia. Entre elas, algumas casas pobres. De repente, um corredor, uma luz verde iluminando-o, um barco emborcado encostado num muro, e lá na frente o mar e a faixa violeta com nuvens negras. Era um delírio - e não era. Pensei em algo que, mais tarde, escrevi. E veio tudo como se eu tivesse registrado num computador de bordo. Não tenho memória. Ela foi prejudicada pelo fedido e por muitas outras drogas, principalmente o assassino de neurônios, o álcool. Fiquei parado ali um tempo indeterminado. Voltei, registrei no papel e carrego comigo o que veio, mesmo sem saber por que. É isso:
o barco não chega ao mar pela força dos pescadores
eles são os outros
o barco só chega lá pelas próprias forças
e é ele que tem de descobrir isso
veja que está cercado por duas paredes, mas não encaixotado
ele não sabe o que o espera
mas está parado porque cria o que está por vir
se deslizar, vai entrar neste mundo maravilhoso e emocionante
aqui pintado por deus
e vai navegar como na música
porque quem vai navegá-lo é o mar
assim é a vida
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