quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Tralha

Malandro forgô pra cima de mim. Fiquei na minha porque nunca fui de treta - mas isso incentivou o nóia. Enquanto ele falava merda, fiquei quieto, parado, ali. Conhecia o gajo, mas nunca dei chance dele chegar perto, seja para uma parada arriscada, uma rodada de cerveja ou uns tiros de farinha no prato aquecido. Aí ele cometeu o erro de encostar a mão no meu peito. O relê colou na hora, o bisturi saiu de dentro da manga e o corte na carótida foi rápido e cirúrgico. Saí tranquilo enquanto ouvia a gritaria do acode, como se isso adiantasse. Ninguém veio atrás de mim, porque sabem onde mora o perigo. Os amigos dele talvez um dia arrisquem algo, mas só se me pegarem desprevenido - o que é muito raro. Restava o mocó, o meu. Mais difícil de achar do que a caverna do Batman. Nem os ratos chegaram lá. Ali guardo tudo, inclusive um diário onde escrevo desde o dia em que apaguei o primeiro, aos 10 anos de idade. A casa que me protege é de família tradicional e sossegada. Não estou no porão ou sótão, apesar de ser louquinho. Sou o lado de lá de uma estante abarrotada de livros. Entro por uma outra casa, do lado oposto da rua. Chego ao meu muquifo por um túnel que tem as marcas de uma fuga antiga de delegacia. Comigo, só tralha, tralhafernalha. Eu gosto. Me basta.


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