domingo, 12 de maio de 2013

Depois do portão

Sem pai, nem mãe. Descobriu o verdadeiro sentido disso quando eles saíram pelo portão, subiram a montanha, passaram pelo Cristo Redentor e continuaram a caminhada para o mistério. Mas sempre viveu um pouco distante, tanto fisicamente como de alma. Não lembra o motivo, mas quando estavam juntos havia um silêncio que ele bebeu e carregou pela vida até o dia em que despirocou sem motivo aparente. Nestes dias dedicados a eles, hoje é para a mãe, ele olha uma foto que fez no cemitério apoiado no túmulo onde um está ao lado do outro. Chorava. Chora. Esquece a idiotice das propagandas que incentivam as vendas do comércio na exploração do sentimento. De repente lembra que um dia foi à igreja da vila e, criança, comprou uma enorme Bíblia com fios dourados na capa e deu para ela como presente. A palavra. Hoje acha que estava lhe passando o que tentaria um dia compreender na vida. Adiantava, então, a declaração de amor ao humanismo, mesmo sem saber de nada. Sem mãe, nem pai. Deu tanta cabeçada, envolveu tantas pessoas, rasgou a alma, costurou, mergulhou no inferno, voltou, e conservou aquilo que recebeu como se tivesse captado pela proximidade, mas sem o contato, sem o carinho, sem o colo, sem o peito e a seiva da vida, mesmo porque ela não tinha para dar ao filho - e deve ter sofrido com isso. Em silêncio ele olhou e, anos depois, começou a ouvi-la. O rosto era triste, mas o que saía da boca, paradoxalmente, era alegre, forte, irônico, de alguém que também ficara todo tempo olhando e aprendera. Pelo menos a se defender dos demônios internos, da tentativa de aniquilação pelas contingências da vida. Com pai e com mãe. Ele depois descobriu. Exatamente quando eles foram, um atrás do outro, caminhando do portão para fora - e nunca mais voltaram.

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