quinta-feira, 5 de junho de 2014

Incomodado

Veio como a descoberta da idade de muitas décadas. Oitenta. Até então era um menino na conversa consigo próprio. Nem a imagem nos espelhos o fazia dimensionar o número de anos. O que importava mais: a dificuldade em se levantar da cadeira e da cama ou a alegria expressa no assobio da canção do tempo da juventude? Passarinho come milho, periquito leva a fama. Riu ao lembrar disso, mas não foi aquela risada escancarada, tão alta que os vizinhos ouviam. Veio. Pensou na tristeza que, talvez, anteceda a morte. A verdade é que aquela força esfuziante que invadia o corpo, a mente, o pensar caleidoscópico, todos saíram de repente; foram embora naquela hora em que o calor do dia desapareceu e nuvens cinzas tomaram conta da janela através do qual ele olhava. Virou-se e, em volta, pela primeira vez, se deu conta que morava sozinho. Há muito tempo. Por opção. Por não querer incomodar ninguém. Agora, estava incomodado. E só podia ir embora para dentro de si mesmo.

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