terça-feira, 28 de outubro de 2014
De cotonete
Nunca esqueceu o personagem de Agildo Ribeiro que, machão total, desmunhecava todo ao introduzir um cotonete no ouvido direito. Achava engraçado, mas ficou preocupado no dia em que ficou em frente ao espelho e fez o mesmo. O efeito foi ao contrário. Ele virou um bicho tão feio, mas com a mesma aparência humana, que a primeira coisa que fez foi esmurrar a imagem refletida, transformada então em várias com o estilhaçamento. Notou que não sentiu dor na mão - e isso o incentivou a fazer um teste com o vizinho que considerava inimigo. Apertou a campainha, o outro apareceu com cara de quem está a fim de brigar por nada. Ele imediatamente sacou um cotonete do bolso, encaixou no ouvido, girou e, quase que automaticamente, o golpe com a mão encaixou no queixo do infeliz, que desabou feito o Maguila depois do coice que tomou do Holyfield. Tirou o cotonete, voltou para casa e depois ouviu a sirene da ambulância que veio buscar a vítima. A sorte é que ninguém viu. Como gostou da experiência, saiu distribuindo porrada em skinheads, integrantes de torcidas uniformizadas, policiais torturadores, ladrões oficiais ou não. Até o dia em que foi mexer com um fiapo de gente que tomava um copo de leite numa padaria. Tinham lhe informado que era um serial killer. Ele acreditou. Ao chegar perto, colocou o cotonete e, antes da viradinha, levou um tapa bem na orelha da transformação. Uma radiografia feita horas depois mostrou a ponta do cotonete encaixada numa parte do cérebro - e sem possibilidade de ser removida sob risco de morte instantânea. Ele sobreviveu, com lucidez, mas jamais conseguiu reverter o desmunhecamento na direita e na esquerda.
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