terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
A voz
Minha voz gravada não é a minha - quando a ouço. Nem o que vejo no espelho sou eu. Hoje tive de fugir da alguém que queria porque queria que eu escutasse o que tinha numa fita cassete. Lembrei de quando a gravação aconteceu, há muito tempo. Fiquei tão triste que me refugiei embaixo da cama no apartamento onde morava sozinho. Que coisa horrível! Como as pessoas ainda conversavam comigo sem demonstrar desprezo? Será que disfarçavam para rir depois? Voz tinha o Heron Domingues, tem o Ferreira Martins... Mas a minha, anasalada, arrastada, molenga... E o rosto? Parece um pandeiro cheio de manchas. Tem também a barriga que toma conta do tronco, onde estão espetados os braços e as pernas finas. Outro dia, porém, me convidaram para gravar um comercial radiofônico. A grana era alta. Fui. Explicaram que era uma experiência para manter guardas noturnos e sentinelas acordados durante a madrugada. Não gostei disso. Minha voz tem outra destinação. Talvez para curar porre ou ressaca brava. Mesmo assim, gravei. Para guardar. Quero que tudo seja ouvido no meu velório. Para aumentar o repertório tradicional de piadas.
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