quarta-feira, 16 de março de 2016

Quieto

Quando fui lá na cidade me disseram que havia uma convulsão social no Brasil. Não sei e tenho raiva de quem sabe o que é isso. Tomei minha cachaça na venda, comprei um pouco de mantimento e fiz minha égua agilizar o passo para voltar correndo para o meu sossego. Já fui da cidade. Jovem me meti em encrenca política - das grossas. Não sabia nada, mas dei tiro, assaltei banco, sequestrei gente e fui parar no meio do mato por causa da revolução. A do nosso lado era coisa de moleque sem tutano. A do lado deles era de quem não tinha o que fazer e achou um motivo para exercitar os músculos. Então era cinco contra cinquenta mil. Vi gente morrer. Vi gente aleijada por causa da tortura. Me escondi feito bicho. Nunca me pegaram. Consegui passar todo o tempo até que os ventos mudaram, mas tudo continuou igual para um pobre coitado como eu e os que eu conhecia. Achei um canto longe de tudo. Não escuto rádio, não vejo televisão, leio alguma coisa nos livros. Sozinho. Estou velho. Fiz o que tinha de fazer. Aprendi, então, a ficar quieto no meu canto. Sem incomodar ou ser incomodado.

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