quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Alma inundada

No meio do mato do fim do mundo ele vivia. Criado como bicho, como se diz no Brasil pouco conhecido. Andou descalço até os vinte anos. A sola dos pés se transformou em casco. Nunca viu uma letra escrita. Sabia a letra falada e era poeta. Tinha delírios, como dizia a mãe, quando desandava a falar sobre bichos, árvores, rios, nuvens. Os olhos eram verdes. Às vezes dava vontade de chorar. Acontecia assim, do nada. Ele só sabia que sentia um aperto no meio do peito, subia para a garganta... E ele corria para um canto onde nem pai, nem mãe o viam. Depois voltava aliviado, olhava para os dois e sentia algo bom, mas não sabia o que era. Eles um dia morreram e ele foi embora. Chegou na cidade e viu uma barraquinha de churros. Achou estranho. Viu que as pessoas comiam aquilo. Pediu um. E tudo que ele tinha na alma desapareceu na inundação do doce.

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