quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
Detonador
Parou de beber porque parou de beber. Estava morrendo. Não sabia disso pois quem bebe assim está no universo paralelo. Estoporou-se todo em brigas, batidas de carro, comas alcoólicos, prisões por desacato aos policiais, etc. Foi amarrado e internado. Ouviu uma palavra e a ficha caiu, como dizem os que conseguem puxar o freio e retomar o controle da carroça. Há quarenta anos estava se embriagando de água, suco e café. Decolou para a vida e o buraco do inferno para ele era uma lembrança apenas para se manter longe dele. Numa madrugada depois de um estafante trabalho, ao voltar para casa entrou num posto de gasolina e na loja de conveniência viu uma lata de energético diferente. Embalagem bonita, coisa da amazônia, com desenho de guaraná. Comprou. Estava gelada. Foi tomando de canudinho enquanto dirigia para casa. Achou o gosto forte. Entrou em estado de alucinação na estrada que o levava até a chácara onde morava nos arredores da cidade grande. Viu uma sereia sair de um brejo. Uma estrela cadente iluminou uma favela. Alguém o ultrapassou numa bicicleta a jato. No rádio do carro ouviu Hendrix cantando em português e Chico Alves berrando Simpaty for the Devil, acompanhado dos Stones. Conseguiu chegar em casa. Dormiu. No outro dia foi olhar a tal latinha. O teor de álcool era altíssimo. Ele se assustou. Telefonou para o psiquiatra. Ele disse que aquilo era normal e que só seria preocupante se no outro dia ele fosse atrás do mesmo detonador.
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