quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Navalha
O lado mau dele aparecia apenas de uma maneira: quando lia notícias políticas. Fazia isso por dever de ofício, afinal, funcionário público, assessorava quem ele odiava ao ler as mentiras faladas, a desfaçatez, a cara de pau, a ladroagem travestida em ações para melhorar a qualidade de vida do povo. Era assim que vomitavam todos, quase sem exceção. E quando o lado mau dele tomava conta, ele abria uma gaveta onde, às vezes, um raio de sol que atravessava a persiana da janela da repartição refletia na lâmina da Solinger. Uma navalha, sim. Cabo de madrepérola, aço com largura suficiente para abrigar o desenho de uma caveira trespassada por duas tíbias, coisa que tinha visto num escudo pregado no braço de um policial. A ação era rápida. O corte, suficiente. O jorro de sangue imitava filmes de samurai. Pescoço. Carótida. Sempre acordava nessa hora. Não sabia como, depois da ação, resolveria o problema da sujeira. Mas tinha certeza que parte do problema da sujeira maior desapareceria com a lâmina cortando, cortando, cortando...
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