terça-feira, 7 de julho de 2015

Antes e no tempo certo

Matei, sim. Foi consciente. Não foi violento, mas poderia ter sido. Num olhar, depois de um encontro sem querer na rua, me pediu. Pediu, não, implorou. Nunca vi olhos tão tristes. Sentamos para tomar um café no boteco sórdido. Só ouvi coisas maravilhosas de uma vida de realizações, de aprendizado constante, de viagens para lugares paradisíacos, de encontros com pessoas do bem. Mas o olhar do primeiro contato era um pedido. Havia dose suficiente em casa para dizimar uma manada de elefantes. Convidei para continuar a conversa. Fiz um chá decente, servi em porcelana chinesa. Aqueceu a alma e me olhou de novo como no primeiro contato. Fui até o armário, preparei a dose e quando voltei já tinha erguido a camisa do braço direito. Achei fácil a veia. Sou profissional. Injetei. Foi apagando com um sorriso beatificado. Tudo terminou rápido. Levei-o para uma praça bem arborizada. Ficou sentado num banco como se a admirar uma árvore centenária à sua frente. Ao retornar, chorei um pouco. Quando enxuguei as lágrimas, dei de cara com a fotografia que sempre amei. Dois olhos - e dentro deles o meu reflexo. Dois olhos que foram embora bem antes do tempo. E sem pedido.

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