quarta-feira, 22 de julho de 2015

Sórdido

Aquele boteco sórdido tinha de existir. Não, ele não queria beber lá, porque já tinha passado o limite entre a vida e a morte e sobrevivido. Mas queria conhecer porque, quando bebia, desde a hora em que acordava até onde não lembrava mais, fazia sempre em botecos como aquele descrito pelo mestre da escrita. O bar era tão absurdamente sujo que os frequentadores puxavam para dentro os cachorros sarnentos que passavam na calçada em frente. O que mais interessava, contudo, era a imagem de Jesus Cristo com tapa-olho. Se a visse, achava que entraria numa nova dimensão da vida, agora regada a água e suco. Procurou em todo o Rio Grande do Sul, porque a indicação era de lá. Um dia, chegou lá. Entrou e logo se ajoelhou para a imagem. Fez então sinal da cruz e rezou um Pai Nosso. Depois, pediu ao dono do bar para chegar mais perto  do que buscava - verificou então que, realmente, havia uma barata esmagada no olho esquerdo de Jesus. Chorou de emoção. Ia saindo quando lhe perguntaram se queria comer algo. Ele pensou duas vezes e ... por que não? Disse sim, afinal, não tinha morrido com todas as porcarias que mandou pra dentro nos tempos das bebedeiras. Olhou um prato sujo em cima do balcão e pediu o último quibe que estava ali. Lhe disseram que não era quibe. Alguém abanou a mão logo acima do quitute e todas as moscas voaram. Surgiu então um ovo cozido e descascado. Ele dispensou a iguaria - e saiu feliz agradecendo Luis Fernando Verísssimo. 

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