terça-feira, 19 de janeiro de 2016
Chispa daqui!
Tá olhando o que, mané? Moro na rua, sim - algum problema? Está incomodado com o que? Meu corpo e minha roupa sujos e fedendo? Eu não ligo. Estou vendo que você é dos babacas perfumados que usam roupa de grife, da moda, feito exército de idiotas. Estou aqui sem fazer nada há muito tempo. Não incomodo ninguém. Não vou falar em sofrimento porque disso você não entende. Se alimenta do cheiro da grana - e se tiver oportunidade, rouba até a mãe, não é mesmo? Faz parte. Não vou te explicar porra nenhuma. Você não sabe o que é ser humano. É um monte de ossos cobertos de carnes. Saradão, hein? Pra que? Ah, sim, para se exibir. Barriga tanquinho feito os sem camisa das novelas que você assiste para adquirir cultura, né? Não tenho pai, não tenho mãe, não deixei meu legado para filhos - como disse um inteligente desses aí que li e respeito. Você, não! Você me olha com nojo, como se fosse diferente, como se não tivesse sete buracos na cabeça e um lá embaixo, atrás, que faz funcionar em banheiro de mármore e perfumado, como se o que saísse não fosse igual ao meu por causa da comida que sai do seu espaço gourmet. Vai continuar olhando? Larguei tudo por causa de gente como você, babaca! O ser humano é inviável, é falso, é traíra, é filho da puta. Sim, há exceções, mas sempre fiquei com um pé atrás - e quando acreditei, me fudi de véu e grinalda, como diziam lá no cantinho onde nasci e zarpei faz tempo. Quer me tirar daqui? Tente. Conheço gargantas de longe. No sentido figurado e a própria. Posso apagar você definitivamente com essas mãos calejadas aqui. Nunca fiz isso, mas é bom chispar daqui logo, senão inauguro a série. Me deixe quieto no meu canto, na minha calçada, na minha escada, no meu mocó, na minha marquise. Sou um trapo, mas não me troco. Sou mais gente que você, que se engana e ri quando é enganado pelos da sua laia. Vai tomar uma ali no boteco da moda. Eu nunca bebi, nunca cheirei, nunca fumei, nunca me droguei. Tentei viver, mas isso é outra história. Você não entende, mané!
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