Os pingos da chuva descem perpendicularmente
como estilhaços negros na direção das costas das duas crianças. Parecem ser um
casal de irmãos. Entre eles, um grande guarda-chuva negro protege os corpos. Os dois
seguram um gato e um cachorro. Ambos olham para quem os está olhando. A pintura
é pequena como a caixa onde ela está na tampa. A sala tem uma janela aberta de
onde se vê uma montanha. A luz que entra ilumina algumas mesas, as poltronas e
cadeiras antigas, uma parte da lareira e um quadro em cima onde um alce velho
solta um bafo que toma conta de tudo. Ali faz frio. Aqui não. As crianças
continuam com o olhar de quem não pedem proteção, mas sim que se atenda a
curiosidade para abrir aquela pequena caixa colocada em cima de uma mesinha
entre poltronas de couro marrom escuro, antigas. Ordem atendida. Então a música que sai
dali toma conta de tudo, com a suavidade que se imagina brotando das
pequenas arpas dos anjos que flutuam nas nuvens. Há quanto tempo... Caixinha de
música... A palavra encantamento é pouco escrita, lida e muito menos utilizada
para descrever momentos como esse. Um senhor sentado sozinho numa sala imensa,
um raio de luz entrando pela janela do mundo exterior, um desassossego que
deixou serra abaixo, no trânsito das grandes cidades. Ele recosta a
cabeça na poltrona e deixa a caixinha o levar. Para dentro. Para a paz que
existe e ele pensava ter perdido. Ao olhar de novo as crianças notou que o
menino calçava uma sandália bem maior que o pé. Era criança e adulto. Éramos
nós.
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