segunda-feira, 4 de julho de 2016

Goleiro

Nosso campinho ficava num terreno entre duas casas. Não sabíamos quem era o dono. Limpamos tudo, deixamos só na terra, fizemos as marcas com cal, as traves com uns caibros de um depósito de material de construção que ficava perto de um morro que tinha ali perto - e, claro, desafiamos a turma da outra rua para a batalha. Na verdade, para as batalhas, pois enquanto durou aquele espaço, todo santo domingo de manhã, para pegar o público que voltava da missa, os inimigos da avenida Central eram nossos adversários. O campo era uma desafio para a lógica futebolística, pois totalmente descaído, ou seja, um ponta esquerda poderia ver o da direita como se este estivesse em outra dimensão, tal a desproporção que havia entre as laterais do terreno. Um estava no céu - o outro, no inferno. A bola tentava nos obedecer. Nosso time não tinha camisa oficial, mas o nome era sonoro e colorido: Ouro Verde. De onde veio isso? Acho que foi ideia do técnico, um adulto que a gente chamava de vermelho por motivos óbvios. Um dia nosso goleiro enfiou o quengo no poste, desmaiou e saiu ainda no primeiro tempo. Ele gostava da posição, por isso a gente achava que lhe faltava um parafuso na cachola. Como não havia reserva, passaram a função para o perna de pau mais próximo - no caso, eu mesmo, lateral direito de dar bicuda até na sombra. Fui e me dei bem. Só tomei um frango e quatro gols inapeláveis, como diziam os locutores da época. Anos mais tarde arrisquei voltar para a posição. Não durou muito. Mas sempre no meu time, ou seja, dos amigos do peito. Tenho as luvas até hoje. Não alugo para ninguém.

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