terça-feira, 16 de agosto de 2016

Cova funda

Nunca tive medo da morte. Questão lógica. Nasceu, morreu. No meio tem um monte de atrapalhadas. Alguns momentos de extrema felicidade - e muitos de monotonia total. Desde que me entendo de gente, sempre falei sobre o vestir o paletó de madeira com a maior naturalidade, mesmo porque um avião poderia cair na minha cabeça a qualquer hora. Gostei de saber da moda no México onde uma funerária atende os pedidos do morto (quando vivo) e faz o velório nos lugares que ele mais gostou em vida. Tem um lindo, do sujeito sentado à mesa do bar e o resto em volta na maior naturalidade. Acho que ali, em vez de um gole ao santo, davam ao morto presente. Meu sonho nunca chegou a  tanto. Primeiro porque velório não é uma palavra do meu dicionário. Acho tudo aquilo uma hipocrisia só. Por isso resolvi cavar minha cova desde que consegui sobreviver até os quarenta anos. Cavava devagar, num terreno à beira de um lago, silêncio quase total. Devagar, mas constantemente. O buraco passou - e muito! - dos tradicionais sete palmos. Mais parecia um poço. O tempo foi passando e eu me dedicando cada vez mais. Virou vício. Até que um dia me toquei e resolvi fazer outras coisas. Não deu. Morri atrofiado.


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