segunda-feira, 18 de maio de 2015

Cicatriz

Um dia descobriram que ele tinha uma cicatriz bem feia na perna. Parecia ter sido mal costurada, aquele fio de pele branca estava esgarçado - e quem olhava bem tinha medo de que, num esforço maior, aquilo ia se abrir e mostrar as entranhas do corpo naquela parte. Havia fotos assim, que ele mostrava com gosto para provar como era feio a parte de dentro do ser humano. Para os que perguntavam sobre a tal marca, ele dava respostas diferentes, dependendo da plateia. O que mais gostava de dizer era que tinha sido ferido cobrindo a guerra do Vietnã junto com José Hamilton Ribeiro, que perdeu uma parte da perna e cada vez mais se mantém como o melhor repórter no país. Dizia o da cicatriz que tinha lhe sobrado apenas um estilhaço da mina. Para outros, contava a verdade, pois um tendão rompeu, por fadiga de material, como dizem os mais velhos, e tiveram de abrir, fazer um enxerto, remendar e costurar. Ele gostava de contar essas coisas. Quando chegava em casa, ficava olhando a marca, enorme, de quase 30 centímetros, e encarnava no pensamento e em cenas de filme de guerra a mentira sobre o que tinha acontecido na selva. Depois, num esforço, conseguia entrar no último helicóptero que partiu do teto da embaixada americana em Hanói, na fuga do Império diante dos vietcongs. Era parte da história. A parte derrotada, com o rabo entre as pernas. Mas ele estava lá. Ou não?

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