quarta-feira, 13 de maio de 2015

Gás

Se acostumou ao cheiro de gás de cozinha desde que era bebê. A mãe, solteira, tinha um péssimo olfato e o botijão, com vazamento, ficava dentro do barraco – e ele ali, inalando, de leve, mas inalando. Cresceu sem saber disso, até que um dia houve o gás tomou conta da casa do vizinho, gritaram para todo mundo correr porque havia o risco de explosão. Ele nem aí. Tranquilo, entrou na zona de perigo, conseguiu fazer o reparo na mangueira furada, saiu sem tontura, e foi aclamado como herói do pedaço. Gostou mais do odor que sentiu e a sensação de liberdade causada do que a bajulação do povaréu. Comprou então um pequeno botijão, sem a mãe saber, nele adaptou uma máscara de oxigênio, escondeu a engenhoca embaixo da cama, pois sabia que o chão de terra batida jamais seria limpado, e toda noite inalava sua dose no meio da madrugada. Sonhava acordado. Depois tinha pesadelo dormindo. Num deles acontecia a explosão. Foi assim que foi parar na manchete do jornal sanguinolento. Dele, da mãe e do barraco não sobrou quase nada. O que intrigou os bombeiros e peritos foi aquela máscara intacta que abrigava em seu interior, grudados, os lábios e os dentes de alguém que sorria.

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