quinta-feira, 14 de maio de 2015
Paço
A palavra entrou e ele estranhou. Paço. Foi ao pai dos burros: residência de rei, solar de família nobre, sede do governo do município… Na janela viu a vaquinha pele e osso comendo o resto da ração de palma enquanto o bezerro tentava sugar alguma coisa das tetas deka. Um carro de boi passou tocando melodia na estradinha. A poeira levantou, ele fechou a janela e ficou ali matutando se tinha visto um paço quando foi um dia na feira da cidade. Não lembrou, mas se agradeceu por ter aceitado um dia o dicionário todo estoporado, como dizia, de uma professora que achou ele interessado nas letras. Fechou a casa, caminhou até o asfalto, se enfiou numa caminhonete que fazia lotação e desembarcou duas horas depois na cidade encravada no pé de uma serra que tinha lá no topo um Cristo de braços abertos e cabeça desproporcional ao corpo. Perguntou onde era a prefeitura. Indicaram. Foi lá. O prédio, antigo, ficava numa praça modernosa e tinha um número em cima da porta de entrada. Foi construído antes de Lampião ter apavorado o povo daquela região. Quis entrar no paço mas foi barrado. Imaginou que era porque estava vestido do jeito de sempre, ou seja, com calça e camisa rasgadas e impregnadas de poeira. Tentou argumentar com o segurança, um bicho do mato vestido de farda e se valendo do trabuco na cintura. Desistiu diante da recusa veemente, mas antes de retornar para o casebre do sítio, pensou como um repentista e disse no ato para o matuto: “Passo o paço e não me passo”. O outro só arregalou os olhos eivados de pequenas veias vermelhas.
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