segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O banquete do Macau

Estava tudo cinza. A cidade, o ônibus que sacolejou do subúrbio até o Centro. As pessoas também. Aqui dentro tinha uma luz. Eu ia ao show. O teatro ficava embaixo de um viaduto - desses que invadem salas e, de repente, um carro entra pela janela e pela goela de alguém vendo televisão. Entrei. Quase ninguém naquela sala gigantesca. Cinza escuro. As luzes se apagaram e o artista apareceu. Ele e o violão. O microfone solitário sorriu com a companhia. Não houve aplausos. Ele sentiu o silêncio e começou a cantar. O som do violão cortava o coração. A voz envolvia a alma. Os óculos redondos ressaltavam não os olhos, mas os dentes proeminentes. Ele atacava a vida que, naquela tarde de domingo... era cinza. Viu a luz aqui dentro. Gritou "cuidado!",  há um morcego na porta principal. Depois disse que estava cansado, mas que não ia ficar parado lamentando o eterno movimento dos barcos. Então se foi, em silêncio, mas feliz por ter feito. Ficou aqui dentro. Anos depois, em outra cidade, num palco redondo de teatro pequeno, cantou aquele que, disse, considerava o verdadeiro hino nacional brasileiro: Carinhoso. Explicou: todo brasileiro sabe cantar. Apoteótico Macau. Herdeiro de Morengueira. Ele, Jards Macalé - o do Banquete dos Mendigos e do brilho no cinza de sempre.

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