quinta-feira, 15 de outubro de 2015
O filósofo
O filósofo tinha quase dois metros de altura e, quando o conheci, perto dos oitenta anos. Andava meio adernado, curvado, mas falava de uma forma que iluminava qualquer alma atormentada. A coisa que eu mais gostava de ouvir era sobre o equilíbrio emocional. Coisa simples. Uma balança daquelas com dois pratos. No mínimo, dizia, era preciso que a gente desse valor às coisas boas, normais, para que um prato ficasse no mesmo nível do outro, aquele onde estão os tormentos que inventamos ou existem, mas que ganham um peso acima do que de fato têm. Ele bebeu pesado até os 60 anos. Contava sobre seu vício de uma forma exemplar. Tinha dinheiro, muito - sempre teve, coisa de herança. Poderia conhecer as melhores cidades do mundo, se instalar nos hotéis mais luxuosos, mas não saía da sua cidade. Por que? Ah, lá não tinha o bar onde bebia todo dia, explicava. Também se enganava ao enganar a mulher nas raras viagens curtas que fazia de carro. Um importado que, invariavelmente, tinha problemas na estrada e ele precisava verificar. Parava no acostamento, abria o capô, pegava um canudo que levava no bolso, abria o compartimento reservado para água e sorvia a vodka que colocava sempre lá. Ele foi embora há um tempo. Feliz. Sua balança sempre estava desequilibrada. Para o lado das coisas boas.
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