quinta-feira, 29 de agosto de 2013
A barba
O psiquiatra espetou: "Está querendo se esconder de você atrás dessa barba?" Estava internado ali há mais de um mês. A suspeita era a de que tinha saído da casinha, espanado a rosca, pirado, enfim. No pátio gigante ele já tinha contado mais de duzentos perambulando sob o sol. Não estava bem, mas a confusão mental que o levava ao poço escuro foi esquecida com a pergunta. Lembrou então que cultivava aqueles pelos no rosto desde que deu baixa do Exército. Odiava fazer a barba todo dia. Ainda mais porque se feria sempre. Medo. Sim, tinha medo de tudo, mas não tinha se tocado que... Medo dele mesmo? Passaram-se 20 anos e ele lembrava apenas que não gostara de uma foto feita dele comendo caranguejo com a barbicha toda melada. Na primeira licença foi ao barbeiro. Pediu para ficar de costas para o grande espelho. Passou máquina no cabelo, navalha na cara. Quando se viu, viu que não era aquele. Era ele. Achou que não tinha se estragado tanto assim nos 20 anos de labirintos. Sorriu. Saiu. Sentiu o sol. Voltou a falar com o doutor. Recebeu elogio. Progrediu rápido na direção da normalidade - que é verdadeiramente absurda. Hoje, de vez em quando, abre uma caixa e olha os pelos que recolheu naquele salão. Ali ficou o passado sombrio.
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