sexta-feira, 16 de agosto de 2013
A cadeira
Comprou a cadeira numa liquidação de loja de móveis usados. Parecia novíssima. Era para o trabalho. Espaldar alto, braços acolchoados, giratória e rodinhas para deslizar pelo escritório. Macia. Muito macia. Couro marrom. Sentou e encaixou. Pagou. Levou. Descobriu então que era preciso ficar imóvel nela. Justo ele que tinha mania de se remexer tdo, como se precisasse se adaptar a alguma coisa. Fazia isso principalmente quando escrevia. E esse era seu ofício. Um dia, em transe de criação, ela, a cadeira, rangeu tanto, mas tanto, que começou a falar, gritar, xingar. Ele não ouvia. Estava em outros mundos. Até que ela o cuspiu pra fora e saiu em disparada pela porta. Não sabia, contudo, que havia uma íngreme escada logo depois. Despencou e se arrebentou toda. Ficou lá embaixo, imóvel. Ele desceu e presenciou o que foi o último suspiro dela. Uma das rodinhas caiu. Ele não quis jogá-la no lixo. Fez a última homenagem queimando-a na churrasqueira.
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