terça-feira, 5 de novembro de 2013

A caneca

Era grande e, bem areada, tinha um brilho que a tornava de prata pura. Repousava sobre uma pequena toalha de renda branquinha como algumas nuvens que o faziam parar e ficar olhando como se aquilo fosse um mistério. Seu contorno ganhava mais destaque porque tinha como fundo a cor de barro do filtro. Também tomava conta daquela casa pobre porque estava colocada numa posição em que era banhada pelos raios de sol da manhã que atravessavam o vidro de uma janela. Só tinha um problema. A caneca de alumínio era do pai, aquele mesmo de olhar duro e que metia medo sem dizer uma palavra, apontar o dedo ou erguer a mão. O senhor todo poderoso da casa apenas olhava. E o menino olhava a caneca que, para completar, tinha uma espécie de colar bordado perto da boca, uma linha fina, delicada, com figuras minúsculas entrelaçadas. Ele via o pai se servir da água e os olhos cerrados eram indicação de que o líquido era dos deuses. Um dia ele encostou o dedo no metal. Frio. No outro, abriu a torneirinha e escutou o som da água se acomodando naquela joia. Foi tudo muito rápido. Ele estava sozinho na casa e tomou um grande gole, fechando os olhos para imitar o grande senhor. Ao abri-los, encontrou o olhar pregado no rosto seco. Tremeu. Viu então, pela primeira vez, um sorriso que jamais vai esquecer. E ouviu: "É bom, né?"

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