segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Catarro

Sempre gostou do som do catarro. O som da palavra, não o produzido por aquele velho puxando a lesma do fundo da alma para emplastrar o que aparecesse na frente. Catarro, catarrento. Mas até aquele dia não tivera a experiência de produzir em seu corpo uma quantidade suficiente para encher um copo americano, por exemplo. Tinha pensado nisso numa noite mal dormida. Visualizou a imagem ali ao lado, em cima do criado mudo, no lugar onde, em muitas casas deste país, ainda existe a dentadura mergulhada e sorrindo para quem quiser ver. Tossiria de três a cinco vezes e aí faria o esforço para tirar a gosma, a placa catarrenta para cuspir dentro do copo. Conseguiria seu intento? Na noite seguinte foi derrubado por uma febre altíssima. Achou que poderia ser delírio. Não era. A garganta trancou e ele sorriu, mesmo sentindo uma facada no gogó. Ficou quase sem respirar, mas foi paciente consigo mesmo. Sabia que, a qualquer hora, a qualquer minuto, começaria a expectorar, como dizia a propaganda daquela pomada, a tal da Vic, mais antiga do que ele mesmo. No dia seguinte tossiu duas vezes, mas o que saiu foi sangue. Não ficou assustado. Forçou, então, e mais sangue saiu. Junto, contudo, estava lá! E assim foi até a noite. Trocou o copo por um maior, porque era muito sangue para pouco catarro. Pensou em separar tudo depois. Mas não teve tempo. Sentiu-se fraco. Chamou então um irmão que morava próximo. A cena de horror deflagrou o sinal para a ambulância, a UTI do hospital e um tratamento intensivo. Disseram que rompeu uma veia interna. Ele perguntou sobre o catarro. Nem responderam. Voltou para casa duas semanas depois. Mandou fazer um quadro do tamanho de uma das paredes da sala com a palavra. Deixaram de aceitar convites para almoçar ou jantar na casa dele.

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