quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A voz que manda

A primeira vez que ouviu a voz ele achou que era porque tinha acabado de acordar no meio da madrugada. Ela era doce, mas ele não sabia distinguir se masculina ou feminina. Dormiu e, quando acordou, passou a ouvir direto as ordens. Sim, eram ordens de como agir naquele momento. Iam de uma recomendação de como tratar o filho problema, residente em outro país, ao que escolher entre os pratos colocados à mesa. Incluía também a hora de fazer sexo com a mulher amada. Ele gostou daquilo tudo porque, como diziam às suas costas, era um encolhido, um tímido, um sem ação que se atrapalhava todo em qualquer situação onde tinha de tomar decisão. A partir daí ele se transformou no fodão, apesar da idade avançada. Ninguém entendeu a brusca mudança. Ficou tão cheio de si que até a leve corcunda despareceu. Isso durou alguns anos, até o dia em que, numa praia do litoral nordestino, mergulhou no mar verde e, ao sair para respirar, tomou pela proa uma onda gigantesca. O pacote arrancou os aparelhos de surdez e as pilhas que ele nunca mais trocara. Ele comprou outros aparelhos, do mesmo modelo, etc, mas de nada adiantou. Voltou a ser medíocre, mas pelo menos tinha boas lembranças para sobreviver.

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