terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Cano fumegante
Os pais saíram para a missa. Ele arrastou uma cadeira, subiu e conseguiu pegar a caixa retangular que tanto queria. Pesada. Desceu, sentou na cama e abriu-a. Estava lá: cabo marrom, corpo de aço negro, tambor cheio de balas. Pegou. Era igual aos que via nos filmes da tv cuspindo fogo e soltando fumaça. Aiô Silver! Ele saiu dali no cavalo imaginário e foi em busca do irmão mais novo. Chegou apontando o cano na direção do peito do menino, que se assustou e saiu correndo. Foi atrás, como numa perseguição feita por Richard Widmark pelas vielas das cidades em preto e branco. Apontava e fazia com a boca o som do estampido. Aprendera nas brincadeiras de mocinho e bandido nas ruas da vila. O dedo coçando para ir ao gatilho e apertar. O coração só subiria para a boca anos depois - e toda vez que lembrava da cena. Foi o anjo do quadro pregado na parede em cima da cama que o fez parar, voltar para o quarto dos velhos, guardar a arma na caixa e colocá-la no lugar? Dias depois repetiu o ataque à pau de fogo. Só que desta vez apertou o gatilho. A bala arrancou uma lasca do pé de uma pequena mesa. Ele não viu fogo. Viu a fumaça. E o pânico entrou para sempre na sua alma. Substituiu a bala no tambor. Jogou a cápsula num córrego podre. Fechou a aquela caixa para sempre. Muitos anos mais tarde voltou a atirar. Mas como um profissional. Sem medo ou remorso. Porque o Colt era dele. E com silenciador.
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