quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Carótida

Não havia sangue na carótida quando ele passou a navalha. Saiu um jato de ar, como se tivesse furado a câmara de um pneu. Ele olhou no espelho e torceu para que fosse murchando até ficar vazio. Nada aconteceu. Era muito sofrimento para uma única pessoa, pensou. Como entrara naquele estado de letargia? Lembrava apenas que assassinara o psiquiatra esmagando a cabeça com a máquina italiana de café que ele mantinha no consultório. Também percorrera locais onde trabalhou e colocara bombas-relógio embaixo das cadeiras dos chefes de quem recebera ordens. Morreram todos, mas isso não tirou aquele peso que o fazia chamar um guindaste para levantar da cama e começar a odiar a luz de todo dia. Tiros em cachorros que incomodavam foram disparados. Queimou os livros que mais gostou de ler. Parou de tomar banho e então passou dias escolhendo a arma que daria fim a tudo aquilo. Tentou, mas não deu certo. Descobrir que era um vazio ambulante era pior que tudo. Foi então ao borracheiro e pediu para que tapasse aquele buraco. Não queria contaminar os outros com o que saía de dentro.

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