quarta-feira, 30 de julho de 2014
Dentro da parede
Sempre tive medo do suicídio tradicional. Tiro na cabeça, enforcamento, salto do décimo quinto andar, navalha cortando os pulsos, coquetel de barbitúricos, escapamento de automóvel, gás de cozinha. Não pelo ato em si, mas o que antecede tal coisa. Nunca tentei. Mas a vida estava tão sem cor, que um dia, pensando nisso, enquanto assentava tijolo por tijolo numa parede na casa que ajudava a construir em bairro nobre, de repente a ideia começou a surgir e ganhar forma como aquele pedaço da obra. Fiquei até mais tarde e disse para o mestre de obras que precisava adiantar um serviço porque, no dia seguinte, tinha um compromisso inadiável que faria eu me atrasar um pouco. Ele aceitou. Então me emparedei numa reentrância que o dono da casa não gostou e mandou fechar. No dia seguinte ouvi meus companheiros iniciarem o acabamento que terminou na massa corrida e pintuyra. Fiquei quieto na escuridão. Sabia que a cada minuto o ar diminuiria e a cimento secaria mais, tornando quase impossível a saída. Desmaiei a não sei quantas horas ali dentro, um espaço razoável que dava até para se esticar. Acordei no hospital. Tinham arrebentado a parede e me salvaram. Eu quis saber como. O chefe contou que ouviram gritos. Eu sonhava que estavam me emparedando e entrei em pânico.
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