segunda-feira, 21 de julho de 2014

Depois do jardim

Só depois dos 70 ele descobriu que era bonito aos 20. E muito mais magro. E com muito mais cabelo. E com muito mais energia. E sem saber de nada. E sem medo de arriscar. E sem saber dos perigos. Então olhou para a árvore do belo jardim do casarão e viu um pássaro pousar num galho com pouca folhagem. Conversou com a única pessoa que o ouvia - ele mesmo. Veio uma alegria intensa por estar vivo, por descobrir que o interlocutor era ainda mais jovem que aquele de meio século atrás. Havia o diálogo que antes era apenas um monólogo de quem estava do lado de fora e se sentia no comando. De repente uma brisa mais fria interrompeu tudo. Ele ajeitou a manta que cobria as pernas. Uma enfermeira disse que era hora de voltar para o quarto. Empurrou a cadeira de rodas que ajudava-o a não fazer muito esforço, apesar de ele ainda poder dar alguns passos. Voltou para o quarto do asilo e ligou a televisão. Não existia mais ele nem o outro. Era melhor assim.

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