segunda-feira, 7 de julho de 2014

Não há mais

Havia. Não há mais. Um verbo que rasga o peito, queima a memória e verte lágrimas sentidas. Ele então olhou-se no espelho e se sentiu velho e cansado. Estava no banheiro de uma pensão barata numa vila que brotou junto com o garimpo descoberto no meio da floresta. De dia o sol queimava a pele. À noite a lua trazia junto o som dos demônios da mata. Alguns goles de cachaça serviam para embaralhar tudo. O copo da cerveja quente o levou até aquele espaço de dois por dois, chão de terra batida com um buraco cimentado onde todos se aliviavam. Ba parede aquele pequeno espelho, que refletia um pouco da luz da lamparina colocada em lugar estratégico - e os rostos daquela multidão de desgarrados da vida, anônimos feito as árvores que os cercavam. Havia. Não há mais. Ele pensou e sentiu o cheiro das roupas de cama limpinhas onde um dia deitou. E o cheiro da mulher amada, as vozes dos filhos que reinavam pela casa. Por que agora estava ali? Aconteceu como num corte abrupto de filme, no tempo exato da passagem de um fotograma para outro. E o passado foi derretido na chama de uma vida de erros.

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