quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Óculos

O óculos era dobrável. Escuro. Achou-o por acaso num canteiro de avenida. Não viu ninguém por perto. Pegou-o, levou para casa, lavou, desinfetou e colocou no rosto na primeira manhã de sol. Nunca mais o tirou, nem para dormir. Se quisesse, como tentou, não conseguiria. Mas, para que tentar? Ao colocar aquela armação com lentes negras, ele passou a enxergar o que jamais tinha prestado atenção. Os olhos das pessoas, seja conhecidas ou não. Antes, tinha medo.
Agora, não precisava, porque ninguém via os seus. Mas ao olhar os outros ele via além, ele conseguia distinguir entre os bons e maus. Os maus, descobriu logo, não revelavam o interior da alma. Os outros, sim. Como? Pelo brilho. Os olhos destes pareciam sorrir, se é que é possível. Ele também começou a ver os detalhes de tudo quanto a natureza oferecia, mesmo numa cidade grande. Por isso deu de cantar feliz por onde andava. Até o dia que alguém achou que ele estava de gozação. Um taco de beisebol apareceu, a pancada foi forte o suficiente para quebrar o óculos. Quando acordou, estava num quarto de hospital. Via tudo cinza. Saiu dali do mesmo jeito. Perdeu a vontade de viver. Mas segurou o tranco. Passa o dia procurando outro óculos igual. Acham que pirou.

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