terça-feira, 11 de novembro de 2014

Comum

A poesia demorou a fazer sentido para ele. Ok, podem chamar de embotado, mas foi assim mesmo que aconteceu. Começou a ler tarde, porque traumatizado na escola com a imposição da Pata da Gazela. Aquilo ficou atravessado; e a coisa piorou com Meu Pé de Laranja Lima. Pior era ter de escrever sobre o livro. Algo como o famoso relato das férias em composição pedida pela senhora de cabelos brancos, coque e um colar de pérolas falsas. Ele que nunca viajava, passeava, porque a família era pobre demais. Quando pode se livrar, sentia uma coisa ruim ao ver um livro - e se afastava. Até o dia em que não se lembra mais como aconteceu - e a partir daí mergulhou em todos os romances, menos os dos mestres, os clássicos, porque passou a dizer que estava se preparando para eles. A poesia ficava de lado, mas um dia que fez sentido - ou melhor, ele sentiu. Quando? Importa? Foi o deslumbramento tomando conta. E aí ficou parecendo o personagem do livro de Stephen King, que virou filme, para variar, aquele do negão que sente todas as dores do mundo e consegue aspirar com a boca a doença da mulher do diretor da prisão onde estava enjaulado. Queria todas as poesias do mundo, para que mergulhassem nele - inclusive as concretas. Assim, descobriu que tinha limpado parte dos entulhos da alma. E também veio a certeza de que não poderia cometer poesia - por ser humano comum.

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