Quando a endorfina bateu ele estava vendo um documentário sobre uma expedição ao K2 que deu merda. Morreram vários alpinistas e os que se salvaram pareciam ter pirado, além de perderem dedos dos pés e das mãos. Um dos guias virou capa da National Geographic, mas não quis falar sobre o que aconteceu. Andando e correndo há mais de duas horas na esteira, velocidade oito, ele ficou vendo aquela imensidão branca e as histórias de alguns heróis sobreviventes ficaram futucando a mente. Dois dias depois esqueceu tudo porque conheceu um grande homem, destes anônimos, que estão ali do lado, menino ainda atrapalhado com a turbulência da alma, perdido por um tempo na procura de algo que fizesse sentido, mas que só o afundou no mundo das drogas. Agora estava dando os primeiros passos depois de um longo tempo de internação, algo parecido como o do jogador Casagrande, até que numa noite, por estes encontros na encruzilhada da vida, alguém entrou trincado na cozinha de uma casa e jogou um pacote com algo branco e muito perigoso - e não era neve. Os olhos do menino se arregalaram. Ele viu as pupilas dilatadas do cheirado, olhou de novo aquele pó branco, sentiu dor imediata no estômago, relembrou os tempos em que se afundava nas carreiras e trafegava só no universo paralelo, temeu por não aguentar aquilo - mas saiu dali com o coração apertado e aos pulos. Ficou assim por um tempo, trancado no quarto e com uma sensação ruim e boa ao mesmo tempo. Até que falou com gente do seu time, gente que já tinha passado por isso e ali, no relato, recebeu dele a carga reveladora da força da vida que aconteceu no instante mágico da hora da decisão, aquela entre ir por um caminho ou pelo outro, já conhecido e sofrido. E o menino soube então que tinha conseguido chegar ao ponto fundamental de ter o domínio para a escolha.