O cordão umbilical quase me matou no parto de cócoras. Minha
mãe era índia Xucuru e sobrevivente do grande massacre sempre escondido nessa
Terra Brasilis. Nasci na aldeia em cima do morro e minha tribo nunca deixou os
brancos chegarem muito perto. O contrário sempre aconteceu. Um dia eu desci a
ladeira. Literalmente. Comecei tomando Pitu misturada com Jurubeba. Dormia na
rua, comia restos, me banhava no açude público. Um pária. A degradação que vem
de dentro pra fora. Acordei então na lama de um grande chiqueiro de uma fazenda
próxima. Cagado e melado. A lama tinha a cor cinza. Pensei no tal limbo que um
dia um padre enganador falou para meus irmãos da tribo. Quando desci ao inferno
encontrei-o bebendo cachaça também. Até brindamos. O limbo é isso, pensei. E eu
sou feio. Aí veio uma chuva daquelas raras. Temporal. Levantei e fui correndo
para um pasto que havia ali perto. Um raio cortou no horizonte e se enfiou na
terra. Fiquei limpo. Continuei a correr. Subi o morro. Minha mãe estava na
porta da maloca. Ela abriu o sorriso mais lindo que já vi. Descobri que, eu
mesmo, sou lindo.
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