quinta-feira, 18 de junho de 2015

Do limbo

 O cordão umbilical quase me matou no parto de cócoras. Minha mãe era índia Xucuru e sobrevivente do grande massacre sempre escondido nessa Terra Brasilis. Nasci na aldeia em cima do morro e minha tribo nunca deixou os brancos chegarem muito perto. O contrário sempre aconteceu. Um dia eu desci a ladeira. Literalmente. Comecei tomando Pitu misturada com Jurubeba. Dormia na rua, comia restos, me banhava no açude público. Um pária. A degradação que vem de dentro pra fora. Acordei então na lama de um grande chiqueiro de uma fazenda próxima. Cagado e melado. A lama tinha a cor cinza. Pensei no tal limbo que um dia um padre enganador falou para meus irmãos da tribo. Quando desci ao inferno encontrei-o bebendo cachaça também. Até brindamos. O limbo é isso, pensei. E eu sou feio. Aí veio uma chuva daquelas raras. Temporal. Levantei e fui correndo para um pasto que havia ali perto. Um raio cortou no horizonte e se enfiou na terra. Fiquei limpo. Continuei a correr. Subi o morro. Minha mãe estava na porta da maloca. Ela abriu o sorriso mais lindo que já vi. Descobri que, eu mesmo, sou lindo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário