terça-feira, 2 de junho de 2015

Asteriscos da salvação

Foi aquele sorriso que o salvou. E o rosto lindo abaixo de uma cabeça enrolada numa toalha branca. Ele viu no alto na banca de revista e, garoto, ficou ali admirado até com o formato do jornal, tabloide, coisa bem diferente do que conhecia - e apesar de um diário no tamanho tradicional jamais ter entrado em sua casa. Era pobre. Mais que pobre. Vivia naquele gueto onde a palavra cultura poderia ser confundida com palavrão. E da boca daquela mulher linda saía um balão, desses de história em quadrinhos, onde vários asteriscos apareciam entre as palavras. Palavras, não! Palavrões. Ele identificou e gamou - porque sempre gostou de falar. Foi em casa, pediu uns trocados para a mãe, voltou à banca, comprou o exemplar e entrou num mundo onde está até hoje, algumas décadas depois. Conheceu os personagens da República de Ipanema do Pasquim, aprendeu que era possível escrever simples para passar qualquer coisa adiante, e quando, por acaso, se profissionalizou mexendo com as letrinhas, foi daquele jeito que começou a tentar escrever - e a treinar diariamente. Quanto à deusa que o levou a sair daquela vila, inclusive fisicamente, será eternamente musa. Leila Diniz.

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