quarta-feira, 17 de junho de 2015

Gestos

Esticado no sofá ele olhou para os pés e descobriu, depois de velho, que fazia a mesma coisa que o pai. O pé direito passava por cima do esquerdo e nele se apoiava. Ficou ali olhando enquanto a televisão emitia sons sem interesse e a luz azulada iluminava a sala - e os pés. Estava descalço e, pimba, olha lá os pés do pai, dedos compridos como os das mãos... Os das mãos? Olhou com as costas voltadas para o rosto, mas a uma certa distância. Então lembrou que também sempre repetiu outro gesto - o de passar a mão direita na cabeça, a partir da testa até chegar à nuca e ficar ali por um tempo, normalmente quando sentado à mesa e num sinal claro que não estava contente com a vida. Não, ele nunca esteve de bem com a vida e era calado, e balançava a cabeça negativamente sem dizer nada quando se deparava com coisas que achava erradas - e elas eram muitas, principalmente a própria existência. Mas isso nem ele nem o pai sabiam direito. Descruzou então os pés, olhou a tela de tv e viu uma bunda rebolando até perto do chão. O pai tinha razão.

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