quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Coronhada

A cena descrita era muito violenta. Preso, acusado de estupro, bêbado, o personagem levou uma coronhada de fuzil na boca que quase o fez engolir os cacos dos dentes. Estava lá num conto que ele jamais esqueceu porque até o gosto do sangue sentiu ao ler. Pensou nisso quando viu metade de um dos dentes da frente cair, deixando um buraco que parecia a entrada de um túnel para o interior da sua alma. Sujo, olhava-se num pequeno espelho no quarto de uma pensão alugada só para drogados. O ar fedia a lixo podre e fezes. Pelo menos não houve violência, pensou, enquanto tentava achar o pedaço do dente que caíra no chão de cimento úmido. Fim de linha? Não, porque quem está assim só pensa na próxima dose. A dele era através do arpão que entrava até o cérebro para acelerar o coração perto da explosão. Voltou para o colchão de palha manchado de urina e vômito. Deitou, passou o dedo pelo buracão - que pareceu ainda maior, fechou os olhos e, dessa vez, a cena da coronhada parecia real. Lembrou então que a tinha lido quando morava numa casa simples quase todas branca. Fazia muito tempo.

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