quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Não

Ele entrou naquela sala, sentou numa cadeira de plástico branca e ficou ouvindo aquilo que considerou ladainha sem sentido. Tinha tomado apenas uma dose, há algumas horas. Não queria se entregar pelo bafo. Na verdade obrigaram-no a ir até ali. Ele resistiu o quanto pode - e entre a sugestão e o comparecimento... quantos porres... Não lembrava porque estava na fase dos apagamentos. Naquele dia foi - para conferir e dizer que tinha ido, afinal, foi o filho mais velho o aconselhador. Estava quase levantando para se mandar para o bar mais próximo quando um sujeito de cavanhaque, óculos de grau, camisa quadriculada, calça jeans, foi até a frente para falar. Não lembra o resto da conversa, apenas de uma parte, poderosa demais. Disse o fulano que no milionésimo de segundo que antecedia virar o copo e engolir o veneno, naquele instante, um não poderia modificar todo o resto da vida. Porque depois, a vontade, a fissura, o costume, sabe-se lá o que, passaria. Aí, na sequência de se  tomar conhecimento do poder deste não, os outros viriam com mais facilidade, e sucessivamente, até... Agora ele estava pensando nisso, de novo, no mesmo local onde esteve 26 anos atrás - e seu coração se encheu de alegria. O não entrou na sua alma e ele só o pronunciava agora  para recusar quando lhe ofereciam o copo cheio em festas ou encontros onde as pessoas não sabiam de seu passado. Então ele riu por dentro, olhou em volta e rezou para que os outros presentes pudessem ter o mesmo destino, aquele que começou com um não e se transformou num sim à vida.

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