segunda-feira, 30 de maio de 2016

Furta-cor

O carro velho anda na velocidade perfeita. A dele e a minha. Motor cansado, 450 mil quilômetros rodados em tudo quanto é tipo de rua e estrada. Já foi do Sul Maravilha ao Nordeste. Também cruzou o cerrado para navegar numa balsa no Rio Madeira lá nos confins do Norte. Nunca me deixou na mão. Está comigo há 20 anos - desde quando nos enamoramos numa negociação onde o irmão dele, mais velho, capotado, foi substituído. Quando me perguntam qual a cor da máquina, respondo rápido que é furta-cor, porque de dia é berinjela e à noite, dependendo da luz, pode ser preto ou azul bem escuro. João Donato começa a tocar o piano na batida que é única, me estico para abrir o quebra-vento do lado do passageiro - é o meu ar condicionado. O ventinho bom entra, estico o braço e coloco a palma da mão direita no caminho dele. Fico assim um tempão. Nunca fiz isso nos 20 anos. Sensação boa que só é interrompida assim que avisto uma viatura do policiamento do trânsito. Mãos no volante. O som continua. Lembro então que na última vez em que ele foi ao mecânico, alguém deixou um papelzinho na chave onde escreveu que ele era roxo. Aquilo roxo. É meu.

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