segunda-feira, 16 de maio de 2016

Garimpo

Tenho todos os dentes de ouro. Mais nada. Quando morrer, sei que vão profanar o meu túmulo para arrancá-los com alicate. O que me importa? Cremação, não! O metal precioso nas arcadas foi o que me restou do tempo em que vivi metido no grande buraco. Serra Pelada. Vida de bicho na lama. Lei do cão. Mulher só em puteiro - e de vez em quando. Uma grande pepita por uma trepada. Fila de gente fedida. Era escravo do dono do pedaço de terra. Tentei roubar uma coisa grande. Foi o começo do meu fim. Antes vi o show de uma chacrete que nem lembro o nome. Rabo pra cá, rabo pra lá. Foi a melhor coisa naquele inferno. Agora padeço num barraco de subúrbio da grande cidade. Nem foto tenho daquele tempo. O povo daqui só acredita por causa dos dentes. Já ouvi conversa que querem adiantar meu funeral. Mas neste terreiro ninguém entra. Ainda tenho a 12 de cano serrado. A bandidagem sabe disso. Vão esperar a morte natural. Ela não vai demorar. Enquanto isso, sorrio para mim mesmo no espelhinho vagabundo do banheiro. É o que me resta.

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